domingo, 4 de janeiro de 2009

VAKHTANG I GORGASALI (447-522)

Vakhtang I Gorgasali (em georgiano ვახტანგ I გორგასალი) foi o rei (mep’e) de Ibéria (Kartli) que conduziu uma longa guerra de libertação de seu país da suserania da Pérsia, fundou a cidade-capital de Tbilissi e ajudou a Igreja Apostólica Ortodoxa da Geórgia a ganhar o status de autocéfala, isto é, independente de outra Igreja. Mais tarde ele foi canonizado pela Igreja Ortodoxa da Geórgia a qual o venera como santo no dia 30 de novembro. Herói nacional, Vakhtang Gorgasali lutou para tornar seu país forte e independente do Império Bizantino (Romano do Oriente) e do Império Persa (Sassânida). Para isso teve que enfrentar seus nobres rebeldes e conspiradores, a interferência dos bispos estrangeiros, dos persas e dos bizantinos no seu reino. Seu reinado é considerado a entrada da Ibéria/Geórgia na Idade Média marcado por forte sentimento nacional, mas enfraquecido pelas potências estrangeiras. A cronologia de seu reinado é debatida sendo geralmente aceita a proposta pelo célebre historiador Cyril Toumanoff: entre os anos de 447 a 522. Toumanoff tem identificado Vakhtang com certo Gurgenes (grego: Γουργένης), rei ibero mencionado nas Guerras de Justiniano do erudito bizantino Procópio, identificação não universalmente aceita uma vez que o período descrito por Procópio é posterior ao reinado de Vakhtang.  Vakhtang é tema de uma biografia medieval atribuída a Juansher (780-800) que entrelaça história e lenda em uma narrativa épica, hiperbolizando a personalidade e a vida de Vakhtang. Esta obra literária tem sido a principal fonte de imagem de Vakhtang como exemplo de rei-guerreiro e estadista que tem sido preservada na memória popular georgiana até os dias de hoje. Para  a reconstrução da vida histórica de Vakhtang os historiadores cotejam a biografia de Juansher com utras obras medievais, principalemnte as de Procópio e de Ghazar Parpetsi, cronista medieval. Ele surgiu como uma das figuras mais populares da história da Geórgia já na Idade Média e foi canonizado pela Igreja Ortodoxa da Geórgia.
Ilustração moderna de Vakhtang Gorgasali

Jovem Rei
De acordo com a Vida de Vakhtang Gorgasali de Juansher, ao rei foi dado no seu nascimento um nome iraniano, Varazkhosrovtang, modificado para Vakhtang em georgiano. O nome pode de fato ser derivado do iraniano warx-tang (vahrka-tanu), isto é, "corpo de lobo", um possível reflexo do culto ao lobo  na antiga Geórgia. A partir do final do século XIII, vários príncipes e reis da Geórgia vão usar o nome Vakhtang.  Ele tinha sete anos quando morreu seu pai, o rei Mitridates V (447). Sua mãe, Sagdukht, vai exercer a regência até sua maioridade (458). Durante a regência de Sagdukht o governo foi de fato exercido pelos aznauris (nobres) os quais viam em Vakhtang apenas um rei fantoche. Nessa época, a nobreza se mostrava desordenada; a Igreja ibérica se aliava a essa nobreza. Embora persa, a rainha-regente é cristã e resiste a pressão do Império Persa de implantar o zoroastrismo na Ibéria. Os "ossetas" do norte (alanos) ameaçam a Ibéria (como atestado pelo historiador bizantino Prisco referindo-se, todavia, aos hunos) fazendo várias incursões a partir do Cáucaso.  A irmã do rei, Mihrandukht, foi capturada pelos hunos e aprisionada na cidade de Kaspi. O governador persa (marzban) instalado em Bardav controla todas as decisões do Rei e o tributo que este paga à Pérsia esvazia o Tesouro do Reino. A mãe do rei, no entanto, pede proteção ao marzban para seu filho diante dessa agitação política.
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A Ibéria e reinos caucasianos adjacentes no fim da Antiguidade e começo da Idade Média
Quando atinge a maioridade, Vakhtang não aceita passar por mero títere dos nobres da Ibéria e do xá da Pérsia e luta para submeter à nobreza ibérica à Coroa como lutará pela independência frente aos Sassânidas. Para fazer uma reconciliação política, o rei persa Hormizd III (457-459) oferece sua filha Balendukht em casamento a Vakhtang. Do matrimônio nascerá Dachi, seu sucessor. Posteriormente, Vakhtang se casará com a princesa bizantina Helena, filha do imperador Zenão (474-491) que lhe dará dois filhos: Leon e Mirdat, designados mthavares (arquiduques) dos éristhavs  da Ibéria ocidental. Com a ajuda dos persas, Vakhtang vai derrotar os alanos podendo comprar a liberdade de sua irmã em Kaspi. Ele consegue essa façanha num combate singular onde derrota um "gigante" do povo inimigo. Fortifica os passos do Cáucaso, sobretudo o de Darial, exigindo tributos de quem os quer utilizar. Confia as guarnições desses locais estratégicos a mercenários montanheses. Em seguida, invade a Svanétia e outras regiões de Lazika tornando-as províncias da Ibéria. Defronta-se com o Império Romano do Oriente (Bizantino) retomando a região de Tao-Klarjeti anexada por Roma desde 370, a qual fortifica. Participou nas campanhas persas contra os bizantinos entre 455 e 458 e na Índia, provavelmente nas guerras do xá Peroz I contra os hunos heftalitas em 474-476. Apesar da colaboração com os Sassânidas, Vakhtang ressente-se da constante interferência persa no seu reino. Fortaleceu suas cidadelas e procurou maior apoio dos líderes religiosos. Estes, no entanto, tendiam mais para colocar a Ibéria sob o governo bizantino já que a igreja na Ibéria era subordinada à de Constantinopla e esta ao Imperador.
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A expansão da Ibéria sob Vakhtang I


"Fundador" da Igreja Ibérica
Em 457, segundo a lenda, o bispo de Mtskheta, Mikel I, teria chutado o rei ao receber a comunhão. O rei ficou tão zangado que o quis substituir. Em seguida, ele enviou uma embaixada ao imperador bizantino Leão I em Constantinopla que enviou-lhe um certo clérigo chamado Petre. Este tornou-se bispo de Mtskheta em 457 e Vakhtang ofereceu-lhe o glorioso título de catholicos (patriarca) da Ibéria, o que significa independência da igreja ibérica do patriarcado de Constantinopla. Assim, Vakhtang tornou-se o fundador da Igreja Georgiana (Ibérica) ainda hoje existente. Um colega de Petre, Samuel, é nomeado bispo de Mtskhetha, e 12 bispos fiéis ao Rei são nomeados em todo reino e consagrados em Antioquia. Abaixo, imagem de Vakhtang num afresco na catedral de Mskhetha. Possivelmente esse episódio se dá num contexto em que Vakhtang, ressentido da contínua intromissão sassânida em seu reino, se volta para o Império Bizantino e o que ele tem em comum com a Ibéria: a religião cristã. Vakhtang casa-se com a "filha" do imperador Zenão I (mais possivelmente  alguém da parentela imperial). A autonomia da igreja ibérica, evidentemente, não se deu sem o aval de Constantinopla e sem oposição do bispo deposto Mikel. Historiadores pensam que  o incidente de Mikel com Varkhtang  se deu mais por questões teológicas do que por causa de um "chute". As divergências seriam em torno do diofisismo (doutrina que reconhece em Cristo duas naturezas, a divina e a humana, em Cristo) e do monofisismo (doutrina que ensina que há uma única natureza em Cristo, a divina) das quais se debate ainda qual posição Mikel e Vakhtang defendiam.
Arquivo: Wachtang I. Gorgassali.jpg
Vakhtang I Gorgasali retratado a partir de um afresco
da igreja de Svetitskhoveli


Vakhtang, o Guerreiro
Em 462 ajuda o xá da Pérsia contra o rei rebelado da Albânia, Vatche, enviando contra os albanos bandos de turcos onogurs os quais deixa passar pelos montes do Cáucaso. Após um ano de lutas o poder real da Albânia cai. Vakhtang apodera-se da parte ocidental da Albânia, nomeada pelos iberos de Herethia, que passa a ser uma província da Ibéria com a capital em Khornabudji. Vakhtang apodera-se depois de regiões adjacentes à Herethia.Junto com os persas derrota os hunos kidaritas em 468. No entanto, posteriormente, o hunos brancos (heftalitas) atacam a Pérsia e fazem prisioneiro o príncipe Kavadh, filho do xá Peroz I. Para resgatá-lo, Vakhtang ajuda aos persas no pagamento de uma grande soma de dinheiro o que traz um grande prejuízo econômico à Ibéria.
Vakhtang Gorgasali 1960
Busto de Vakhtang I pelo pintor e escultor georgiano  ElgujaAmashukeli
Em cerca de 475 Varsken , grande senhor feudal ibero e governador (pitiakhsh) de Gogarene, rebela-se contra Vakhtang e converte-se à religião persa, o zorostrismo, tomando política a favor da ingerência persa na Ibéria. O xá persa em recompensa o nomeia vice-rei da Albânia. Varsken condena sua esposa à morte, Shushanik Mamikonian, filha de Vardan Mamikonian, célebre general da Armênia, depois dela ter se recusado a submeter-se a sua ordem para abandonar a fé cristã. Shushanik foi canonizada pelas Igrejas Georgiana e Armênia devido a seu testemunho. A ação de Varsken reflete a insatisfação da nobreza feudal ibérica contra a centralização de poder nas mãos do rei. Vakhtang luta contra a sedição que acaba com a morte de Varsken em 482 conforme a condenação dado pelo rei. Vakhtang passa a atacar os destacamentos persas no país e obriga-os a retirarem-se. Albânia e Armênia vão juntar-se a revolta da Ibéria contra a Pérsia, a qual então estava ocupada com lutas na Ásia Central e não podia responder rapidamente à insurreição.
A Ibéria e seus vizinhos
Em 483 os persas vão enviar dois exércitos contra Vakhtang que passa à Armênia para reunir as forças aliadas, porém a ajuda que esperava dos hunos não chega (300 guerreiros). No entanto, Vahan Mamikonian, general dos armênios, derrota os persas em Nerschapat e soma forças com o rei da Ibéria. Em seguida, os persas sob o comando do general Mihran vencem a batalha de Tcharmani, onde uma parte do exército de Vakhtang e de Mamikonian deserta. Em 484 um exército persa dirigido por Zarmihr Hazaravukht marcha para a Ibéria para capturar Vakhtang. Os persas são bem acolhidos no Reino pela nobreza nativa. Vakhtang foge para Egrisi (Lazika), região do Império Bizantino, onde vive em exílio. Com a morte do xá Peroz em 484 na guerra contra os hefitalitas situação política da região acalma-se sob o xá Balash: Vahan Mamikonian é reconhecido pelos persas como marzban da Armênia e o poder real é restaurado na Albânia. Com permissão de Balash, Vakhtang retorna à Ibéria, continua, entretanto, pró-bizantino, e decide estabelecer a capital em Tbilisi (em antigo georgiano, ტფილისი, Tp’ilisi, hoje capital e a maior cidade da Geórgia).
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Estátua de Vakhtang em Tbilisi

Vakhtang, o Fundador
Segundo um lenda antiga, o território atual de Tbilisi estava coberto por florestas até 458 d.C. O rei Vakhtang foi caçar na região abundantemente arborizada com um falcão. O falcão do rei capturou um faisão durante a caça, após o que ambas as aves caíram em águas termais e morreram das queimaduras recebidas na água quente. O rei Vakhtang ficou tão impressionado que ele decidiu extinguir a floresta e construir uma cidade no local das águas quentes. O nome Tbilissi de deriva da antiga palavra ibérica (georgiana) Tpili, "água quente".
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Ilustração da lenda da fundação de Tbilisi
O nome de Tbili ou Tbilisi ("lugar quente"), por conseguinte, foi dado à cidade devido às numerosas águas quentes sulfúricas que haviam na região. No entanto, estudos arqueológicos da região revelaram que o território de Tbilisi foi habitado por seres humanos desde o quarto milênio a.C. Há indícios de uma fortaleza construída no local durante o reinado do Aspagur II (363-365). Na segunda metade do século IV d.C. os persas tomaram a fortaleza perdendo-a posteriormente para Vakhtang, que fez da fortaleza uma cidade. Seu sucessor Dachi Ujarmeli (522-534) transferiu a capital de Mtskheta para Tibilisi.
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Centro histórico de Tblisi

Vakhtang contra os Persas
Posteriormente, os persas vão exigir de Vakhtang que colabore na guerra contra o Império Bizantino, o que o rei vai negar-se. Os persas tornam a invadir a Ibéria. O xá Kavadh I ataca o reino em 502. Em um ataque surpresa ao acampamento persa, Vakhtang mata um dos filhos do xá. Os persas apelidam Vakhtang de Gorgasali, transliteração georgiana para persa gorgaslan, gurgaslan ou gorgasar: “cabeça de lobo” devido da forma do seu capacete. A influência iraniana no seu nome próprio também é atestada pela antiga expressão persa varka-tanu ("com o corpo de um lobo"). Os iberos lutaram corajosamente e defenderam suas fronteiras em uma batalha de quatro dias. No último dia da sangrenta batalha, Vakhtang foi fatalmente ferido. De acordo com a lenda, um dos servos do rei, subornado por nobres iberos hostis a Vakhtang, traiu-o atirando-lhe uma flecha através de uma falha na sua armadura. O guarda-costas de Vakhtang levou-o para sua residência em Ujarma, onde ele morreu poucos dias depois e foi enterrado na Catedral de Svetitskhoveli. Entretanto, uma visão mais histórica entende que Vakhtang passou os últimos anos de seu reinado em guerras e no exílio apelando em vão a ajudada dos bizantinos. A cronologia do período é confusa. Em 518 o um vice-rei persa é estabelecido na capital Tbilisi. Os estudiosos debatem se a morte do rei teria se dado em 502 ou 522 e ainda não em combate, mas naturalmente em Lazica onde estaria exilado sendo seu corpo transportado posteriormente para seu país como atesta a historiografia sobre o tal rei ibero Gurgenes. Mas, a versão georgiana medieval (que tem seu fundamento histórico) é que prevalece na historiografia tradicional e na cultura georgiana.
Monument of King Vakhtang Gorgasali in Tbilisi, created by sculptor Elguja Amashukeli in 1967.
Georgianos em torno da estátua de Vakhtang I Gorgasali:
o antigo rei ibero é o perene símbolo da autoafirmação georgiana

Família, Sucessão e Posteridade
De acordo com Juansher, Vakhtang teve três filhos. Dachi , filho mais velho de Vakhtang pelo seu primeiro casamento com a princesa iraniana Balendukht (que morreu no parto), sucedeu-o como rei da Ibéria e teve que retornar à suserania dos persas. Dois filhos mais novos por seu segundo com a bizantina Helena: Leon e Mirdat, que foram mthavares das províncias do sudoeste da Ibéria (Klarjeti e Javakheti) em que a descendência de Leon - os Guaramidas - tradicionalmente seguiram orientação pró-bizantina. Ambas as linhagens sobreviveram na Ibéria no século VIII, sendo sucedidos por seus primos da família Bagrátida . Toumanoff infere se Samanazus, nome de um "rei" da Ibéria encontrado na lista do cronista João Malalas de governantes contemporâneos do imperador bizantino Justiniano e relatado por Teófanes, o Confessor e Georgios Kedrenos, que visitou Constantinopla, em 535, possa ser uma corruptela de palavras que significa "irmão de Dachi", e assim, talvez, refira-se a Mirdat. Talvez Gorgasali tivesse uma ou duas filhas segundo Toumanoff. Ao rei ibero Gurgenes, identificado com Vakhtang, a historiografia bizantina relata três filhos que seguiram carreira militar no Império Bizantino: Perânio, Pacúrio e Fazas.
Tbilisi sob a estátua de Vakhtang I Gorgasali

Vakhtang, o Célebre
Vakhtang entrou um panteão de heróis históricos georgianos já na Idade Média. A auriflama real dos Bagrátidas georgianos era conhecida como Gorgasliani, ou seja, "de Gorgasali". É tida ser o modelo mais antigo da atual bandeira nacional da Geórgia. 
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Bandeira da Ibéria no reinado de Vakhtang I Gorgasali
Na memória popular, a sua imagem adquiriu uma fimagem lendária e romântica. Vakhtang é tema de vários poemas populares e lendas, exaltando a grandeza do rei, sua enorme força física, coragem e devoção ao cristianismo. Vakhtang foi creditado com a fundação de várias cidades, castelos e mosteiros em toda a Geórgia, incluindo a capital da nação, Tbilisi, onde uma rua e uma praça levam o seu nome, e um monumento de 1967 pelo escultor Elguja Amashukeli encabeça o penhasco Metekhi. 
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Estátua de Vakhtang I Gorgasali no penhasco Metekhi em Tbilisi
Vakhtang foi oficialmente incluído no calendário ortodoxo da Geórgia e ganhou uma igreja construída em sua homenagem na cidade de Rustavi no início da década de 1990, mas ele provavelmente tinha sido considerado um santo muito antes disso. A igreja da Geórgia comemora-o como santo e justo crente rei Vakhtang em 30 de novembro. A Ordem Vakhtang Gorgasali criada em 1992, é uma das mais altas condecorações militares na Geórgia.
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Medalha condecorativa de primeira classe
 da Ordem Vakhtang Gorgasali

FONTES:

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